Ao entrar no ônibus, comecei a observar o que ocorria dentro e fora dele. A presença da polícia nas ruas, principalmente próximo aos colégios particulares, impressionava-me. Com menos de 15 minutos de viagem, um garoto sentou ao meu lado. Logo, começou a xingar o motorista, tornando a minha reação inevitável: “Rapaz, qual é o motivo de tanta raiva?”, perguntei. O menino, de 12 anos, começou então a narrar como era o seu dia, principalmente dentro do ônibus.
Depois de entender parcialmente a história, perguntei onde ele morava. “Rocinha”, respondeu, de maneira ríspida. Eu, que nunca estive em uma favela, não poderia perder a oportunidade e me convidei para almoçar em sua casa. O garoto não sabia se haveria comida. Respondi que não tinha problema. Ele, sem acreditar que alguém estava tão ansioso para conhecer sua casa, alertou-me: “Vê se não encara ninguém lá, é regra”, aconselhou. E eu obedeci, óbvio. Regra é regra, e tem que ser cumprida (principalmente dentro de uma favela).
Estávamos no ponto final, na Gávea, na entrada da Rocinha. Perguntei à cobradora se havia algum problema em subir. “Claro que não. cara. Vai tranquilo, só tem gente boa aí!”, sorriu Gláucia dos Santos, 26 anos. Respirei fundo, sequei o suor do rosto e fui com o garoto. As cenas de Tropa de Elite (que mesmo antes de ser lançado, foi pirateado e que dias antes eu havia assistido) não saiam da minha cabeça. Lembrei de Tim Lopes e de tantas outras pessoas mortas no famoso “micro-ondas”, no alto da favela.
O menino morava logo no início da primeira ladeira, dentre alguns becos. Cheguei ainda com certo medo e me apresentei à mãe dele como um amigo, alguém que tinha curiosidade de conhecer a favela. Naquele instante eu já sabia que morador nenhum podia conversar com a imprensa, pois correria o risco de ser tratado como “X-9”. E não era a minha intenção colocar aquela humilde família em risco.
A mãe do menino me recebeu muito bem, desculpou-se por não ter nada a oferecer. E eu quase que me desculpei também, por não ter nada a oferecer a ela, seus seis filhos e sua avó, que era cega. Em alguns minutos, quando a conversa já fluía de maneira empática, uma vizinha chamou dona Helena, mãe do menino, e a perguntoua ao pé-do-ouvido se eu era assistente social. Dona Helena negou. Eu fiquei tranquilo em saber que não parecia com um policial. Afinal, antes de entrar na favela brinquei com o menino que eu poderia ser um policial disfarçado. Ele friamente respondeu: “Nem ligo, você que vai morrer mesmo”.
Conversei quase uma hora com aquela família de maneira antropológica. O menino falou do sonho de ganhar uma camisa de marca famosa – e que fosse verdadeira. Disse-me também que queria ser alguém na vida; sendo questionado por mim: “Mas você já não é?”. Depois de um sorriso tímido, a resposta: “Sou… Mas quero ser mais!”, exclamou o garoto.
Dei um abraço no menino e um adeus para todos. O garoto me acompanhou até o ponto do ônibus. Prometeu que jamais fazer nada de errado e que daria orgulho a sua mãe, sendo um cidadão honesto. Antes da promessa, tive que explicá-lo brevemente o que era a cidadania. Voltei sem a reportagem inicial, mas com uma bagagem imensa. A culpa também desceu comigo, já que me senti um inútil em não poder fazer muita coisa para que crianças como aquela tenham a oportunidade de cumprirem as promessas de serem pessoas diferentes do que todos imaginam que elas serão um dia.